detalhe de foto de José António Barão Querido, alçada da tapada

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Nós e os Outros – os desafios do diálogo intercultural

December 17, 2008

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Jorge Sampaio
ALTO REPRESENTANTE DAS NAÇÕES UNIDAS
PARA A ALIANÇA DAS CIVILIZAÇÕES

“Nós e os Outros – os desafios do diálogo intercultural”

Conferência do
Ciclo de Seminários Qualificantes
Santa Casa da Misericórdia de Lisboa

Lisboa,
Sala de Extracções da
Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML).
17 de Dezembro de 208

 

Senhor Provedor, Dr. Rui António Ferreira da Cunha
Senhor Vice-Provedor, Dr. António Santos Luis
Senhores colaboradores
Minhas Senhoras e Senhores

Quero começar por saudar todos os presentes e dizer o quanto iniciativas como esta merecem estímulo, apreço e todo o apoio.

E porquê ? Basicamente por três razões:

Primeiro porque contribuem para a formação contínua dos colaboradores desta instituição, o que a meu ver é fundamental para a requalificação e actualização permanente dos trabalhadores.

Em segundo lugar, porque sendo uma ocasião informal de trocas de pontos de vista, de diálogo e de experiências, assim se fomenta o espírito de unidade e solidariedade colectiva. Ora estes são, a meu ver, valores determinantes da força desta instituição que desempenha um papel tão importante para a coesão da nossa sociedade.

Em terceiro lugar porque a temática escolhida para este seminário é da maior oportunidade e coincide com o encerramento do Ano Europeu do Diálogo Intercultural.

Meus amigos

O calendário das causas mundiais tem esta vertente, digamos, de inspiração astral que contempla a celebração de um conjunto de efemérides que ora revestem a natureza das festas fixas – é o caso do Dia Mundial dos Direitos Humanos (a 10 de Dezembro), do Dia da Mulher (a 8 de Março), do Dia da Tuberculose (a 23 de Março) ou do dia das Migrações (a 18 de Dezembro), só para dar alguns exemplos dos 365 possíveis –, ora apresentam um carácter episódico e excepcional, quando se decide que um determinado ano será dedicado a esta ou aquela causa.

Sabemos que esta propensão comemorativa suscita por vezes algumas reservas e reacções críticas, envolta que está, quase sempre, por uma certa contradição… de facto, como aceitar que a SIDA seja matéria de celebrações uma vez por ano, que à mulher, aos migrantes ou às crianças seja necessário consagrar anualmente 24 horas, como nos resignarmos a que só a 10 de Dezembro nos ocorra alertar para a importância fundamental dos direitos humanos, como nos contentarmos com escassos 12 meses de comemorações e festejos em matéria de diálogo intercultural quando este é porventura um dos grandes desafios deste século?

Mas a verdade é que não devemos também deixar de salientar as vantagens inegáveis destas operações de sensibilização e de chamada de atenção pública para a causa a, b ou c porque afinal é disso que se trata – aliás, nestas efemérides, trata-se mesmo quase sempre de pôr em destaque problemas de significativa expressão social, questões de verdadeira emergência humanitária, todos, afinal, ligados o mais das vezes, a direitos fundamentais que, embora universais, tardam, porém, a materializar-se para todos…

Por isso, entendo que vale a pena chamar estas causas para a ordem do dia, na esperança de que assim passem também para as opiniões públicas, para os media e, destes, para a agenda política dos governos, no plano local, nacional e global.

Como quer que seja, deixem-me, desde já, sublinhar que no caso do diálogo intercultural, na minha qualidade de Alto Representante da Aliança das Civilizações, realizei diligências junto das várias instâncias europeias e dos seus Estados membros no sentido de transformar o Ano Europeu do Diálogo Inter-cultural num programa de longo prazo destinado a incentivar e a acompanhar o desenvolvimento sustentável de políticas e práticas de boa governação da diversidade cultural.

Poderão perguntar-se – Mas, afinal, o que é isso da boa governação da diversidade cultural ? Para quê palavras tão eruditas para dizer aquilo que é tão simples – saber respeitar a diversidade, tolerar a diferença e, mais do que isso, apreciar aquilo que nos distingue dos outros ?

Eu sei que muitos de vós lidam com esta realidade no dia-a- dia profissional. Sei também que conhecem as dificuldades desta convivência. Sei que porventura experimentam no quotidiano o abismo que vai entre a retórica da igualdade e da inclusão e a realidade das desigualdades e da exclusão.

Meus amigos

Concordo convosco se me disserem que, em matéria de protecção da diversidade cultural, o problema não está nas leis nem nos diplomas legais nem nos princípios nem nos direitos formais.

Dispomos aliás de uma boa moldura jurídica composta por instrumentos legais mais do que suficientes, de que destacaria: a Declaração Universal dos Direitos do Homem de que, aliás, festejámos na semana passada o seu sexagésimo aniversário; a Convenção para a Protecção dos Direitos Humanos e das Liberdades Fundamentais; a Convenção Europeia para o estatuto legal dos Trabalhadores Migrantes ou ainda a Convenção da UNESCO sobre a protecção da diversidade cultural.

Aliás, quero frisar que os estudos que consultei consideram que Portugal criou um quadro jurídico para a integração dos migrantes composto por políticas favoráveis e pelas melhores práticas (por exemplo, em matéria de acesso ao mercado de trabalho, reagrupamento familiar e anti-discriminação ou ainda no plano das liberdade políticas e de participação política).

Devemo-nos congratular porque estar sempre só a apontar as carências e as deficiências da actuação dos poderes públicos – exercício de auto-denegrição em que tanto gostamos de nos comprazer – não contribui necessariamente para a resolução dos problemas.

Mas significa isso que podemos cruzar os braços e descansar ?

Também não e sabemos muito bem que são muitas as razões que militam a favor de uma necessária mudança de atitudes até porque é disto mesmo que se trata, de mudança de mentalidades, de atitudes e de comportamentos.

Primeiro porque, como já disse, entre a letra e a prática vai uma distância. Depois porque a heterogeneidade de comportamentos e situações é gritante e sabemos que a violência e a intolerância tendem a ser proporcionais ao isolamento cultural e ao grau de educação; em terceiro lugar, porque uma sociedade para ser coesa tem de reforçar os laços de solidariedade intra e inter comunitários, tem de saber apreciar e valorizar a diversidade de que é feita para a partir daí traçar uma visão colectiva de um futuro partilhado. Por último, porque os ambientes de crise tendem sempre a potenciar os factores de racismo, chauvinismo e agressividade.

Por isso quero deixar aqui um apelo. É que cada um ao seu nível promova uma nova atitude que, a meu ver, é indispensável se quisermos construir um futuro sustentável para Portugal.

Uma nova atitude em relação aos nossos concidadãos, sejam eles de que origem forem, à nossa sociedade, à diversidade que ela reveste – nas escolas, nos locais de trabalho, no bairro, no prédio.

Uma nova atitude na partilha do espaço público, em que convivem sempre mais e diversos grupos étnicos, culturais e religiosos.

Uma nova atitude em relação à nossa identidade singular e colectiva, aos valores que a talham, às componentes que nela se entrelaçam de forma dinâmica e aberta.

Uma nova atitude também em relação ao que a democracia e a igualdade de direitos e liberdades significam em termos de responsabilidades e de respeito mútuo quando aplicadas a este contexto de crescente diversidade cultural.

Uma nova atitude, por fim, em relação à forma de estar na nossa aldeia global, em que nada está totalmente isolado e em que o destino da humanidade se joga.

Meus amigos

Como aqui já disse e repito, resumido ao essencial, o que está em jogo, é uma questão de Educação.

Educação para os direitos do homem, educação para a cidadania e para o respeito pelos outros. Educação para a diversidade e o diálogo. Educação sobre media literacy. Educação sobre religiões e crenças e para o diálogo inter-religioso.

Temos de aprender e ensinar competências inter-culturais aos nossos cidadãos. Temos de criar estratégias urbanas e políticas para o diálogo intercultural. Precisamos de políticas para os jovens baseadas na igualdade de direitos e de oportunidades. Precisamos de mobilizar a sociedade civil em geral, os jovens, os líderes religiosos e os media. Precisamos também de aprofundar a agenda do diálogo intercultural no contexto das relações internacionais e conferir-lhe prioridade máxima.

Neste particular, permitam-me que destaque o papel que esta instituição pode desempenhar pela influência que tem junto das faixas mais críticas da sociedade portuguesa. Pela sua capacidade de detectar situações de risco e de lançar alertas precoces. Pela sua capacidade pedagógica, pela sua experiência de boas práticas.

Por isso, gostaria de os incentivar a colaborar com o Coordenador Nacional para a Aliança das Civilizações, o Professor Bacelar Vasconcelos, que é o responsável pela feitura, aplicação e monitorização da Estratégia Nacional do Diálogo Intercultural, uma proposta e um desafio que a Aliança das Civilizações lançou a todos os seus membros, de que Portugal faz também parte.

Hoje em dia, com as novas tecnologias da informação e da comunicação, é mais fácil unir esforços, partilhar experiências e saberes e, em conjunto propor soluções comuns para os problemas que são também eles comuns.

Para termos políticas eficazes de diálogo intercultural precisamos do contributo activo da sociedade civil e da sua colaboração empenhada.

É por isso que termino, formulando votos de que o próximo ano, não sendo já o de celebrações oficiais do diálogo inter-cultural, seja, porém, um tempo de intensa cooperação, de maior entendimento e solidariedade entre todos os cidadãos.

Muito obrigado