detalhe de foto de José António Barão Querido, alçada da tapada

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Alocução do Presidente Sampaio na Conferência de Embaixadores – Madrid, 11.Set. 2008

September 11, 2008

 Texto em Português

 

 

 

 

 

 

UN HIGH REPRESENTATIVE FOR

 THE ALLIANCE OF CIVILIZATIONS

 

 

Address to the Spanish Ambassadors’ Conference

 

 

 

 

Madrid, Santa Cruz,

September, 11, 2008

 


Excelências

 

Ø     Sei que o tempo é curto e que a vossa sobrecarregada agenda de trabalhos exige intervenções sucintas e dirigidas ao essencial.

 

Ø     Não me alongarei, pois, em considerações preliminares, embora não possa silenciar a expressão do meu público reconhecimento às autoridades espanholas pela oportunidade única de participar neste encontro. Permitam-me também que saúde calorosamente todos os presentes, num gesto de homenagem pessoal à prestigiada diplomacia espanhola, de quem sou grande admirador! Por último, quero agradecer penhoradamente a todos quantos, desde que fui nomeado Alto Representante das Nações Unidas para a Aliança das Civilizações, me têm apoiado e assistido mais directamente, com a sua experiência, contactos e amizade, no exercício destas funções.

 

Excelências

E, se me permitem, Caros Amigos

 

 

Ø     O papel ímpar de Espanha no lançamento da Aliança das Civilizações torna, naturalmente, dispensável uma apresentação extensa do b-a-ba factual desta iniciativa que, em boa hora, as Nações Unidas endossaram.

 

Ø     Vou, pois, privilegiar uma abordagem crítica, centrada sobretudo nos desafios e nas dificuldades com que a Aliança se depara. Começarei com três breves notas de enquadramento; farei, em seguida, duas reflexões, e por último deixarei algumas sugestões que são afinal, desafios que, com amizade, me permito lançar-lhes.

 

Três Notas de enquadramento

 

 

Ø     Estas três notas de enquadramento giram em torno dos “3 As da Aliança” – é verdade, em inglês funciona melhor – Aims, Agenda, Approach; em espanhol, é preciso um pouco mais de imaginação, mas chegamos lá também – Alvos, Agenda e Abordagem da Aliança.

 

Primeira Nota – os Alvos da Aliança.

 

Ø     Como sabem, nem todos subscrevem com igual convicção o nome dado a esta iniciativa. A uns desagrada que se fale em alianças – ora pela sua conotação bélica, ora pelo seu sentido bíblico. Outros teriam preferido Aliança das Culturas, há ainda quem proponha, como alternativa, “Aliança de valores”, como é por exemplo, o caso do escritor Juan Goytisolo.

 

Ø     Quando alguém avança este género de argumentos, a minha resposta é invariável – não podemos ficar reféns de querelas de palavras porque, para além delas, persiste um problema cuja existência, afinal, poucos negam – as crescentes dificuldades de governação que coloca a extrema diversidade cultural das nossas sociedades, os inúmeros conflitos e tensões que esta tem causado e a sua relação com o aumento da violência, o extremismo e a guerra.

 

Ø     Por isso, as finalidades da Aliança ou alvos a atingir são dois: o primeiro, é o de contribuir para a melhoria das relações entre as sociedades e comunidades de extracção cultural e religiosa diversa; o segundo, é o de permitir enquadrar a luta contra o extremismo (e, portanto, também o terrorismo) na perspectiva da prevenção, actuando no plano da educação, da juventude, dos media e das migrações, que são, como sabem, as quatro áreas de intervenção da Aliança.

 

Segunda Nota –  a Agenda da Aliança

 

Ø     Ao propor-se intervir nestes quatro domínios, que até recentemente eram sobretudo vistos como políticas do foro interno dos Estados, a Aliança inova porque os traz claramente para a Agenda internacional e os coloca sob o prisma da boa governação (governance) da diversidade cultural.

 

Ø     Por outro lado, para a Aliança, quer a educação, quer os media, quer a juventude, quer as migrações são matérias que importa “transversalizar” através de um prisma de abordagem comum, quer a nível interno dos Estados, quer no plano internacional. Esta é uma perspectiva igualmente nova, à qual é necessário imprimir um carácter sistemático, coerente e sustentável.

 

Ø     Por isso, ao Grupo de Amigos da Aliança – uma comunidade que conta já com noventa membros – lancei três desafios: aos Estados, incitei-os a elaborar Estratégias Nacionais para o diálogo inter-cultural; às organizações internacionais, convidei-as a trabalhar em parceria com a Aliança por forma a potenciar o extraordinário acervo de que dispõem e a dar-lhe acrescida visibilidade e reforçada unidade política de propósitos. A ambos pedi – e este é o terceiro desafio – que nomeassem coordenadores nacionais que sirvam simultaneamente de interlocutores e de coordenadores nacionais da Aliança.

 

Ø     A meu ver, o preenchimento destas três condições é indispensável para tornar a Aliança numa iniciativa sustentável, a prazo.

 

Ø     Para atingir este fim, é ainda indispensável garantir uma quarta condição: a da estreita associação da sociedade civil à Aliança. Este é um pilar, a meu ver, ainda incipiente, mas a cujo reforço tenciono agora dar prioridade.

 

Terceira Nota –  a Abordagem da Aliança

 

Ø     Por causa das finalidades que prossegue e da agenda que é a sua, a Aliança é uma iniciativa prática, vinculada à obrigação de resultados.

 

Ø     Os colóquios, debates e conferências – de contornos mais ou menos académicos e participação mais ou menos reservada – são, sem dúvida, interessantes e úteis porque, nas matérias de que se ocupa a Aliança, importa combater estereótipos, preconceitos e análises simplistas e redutoras, que resultam, quase todos, da ignorância.

 

Ø     No entanto, importa também evitar o escolho da “teologia civil do diálogo”, para utilizar uma expressão que Régis Debray emprega num pequeno opúsculo intitulado “O diálogo das civilizações, um mito contemporâneo”, em que tece um conjunto de críticas, todas pertinentes, aliás, a iniciativas como a Aliança… 

 

Ø     Por outras palavras, a Aliança tem por missão, produzir resultados e, como vocação primeira, desenvolver uma abordagem glocal – permitam-me o neologismo!

 

Ø     E por glocal, entendo: transformar o âmbito global que é o seu, em acção local. É este o desafio da Aliança.

 

Duas Reflexões

 

Ø     Gostaria, agora, de partilhar convosco duas reflexões sobre a Aliança, que resultam, afinal, dos múltiplos contactos que tenho levado a cabo.

 

Ø     Primeiro – as altas expectativas que a Aliança, como iniciativa das Nações Unidas, suscita um pouco por todo o lado. É de facto surpreendente porque tais expectativas são, na realidade, inversamente proporcionais aos meios disponíveis…

 

Ø     Esta “constatação” gera naturalmente sentimentos contraditórios porque, por um lado, significa que a Aliança vem preencher um vazio temático e político – e nesta medida é muito estimulante porque há um espaço de intervenção novo, compaginável com soluções reformistas e inovadoras; mas por outro, a probabilidade da queda – ou seja, da irrelevância – é também directamente proporcional ao digamos, estado de graça, que, de momento, a Aliança atravessa ….

 

Ø     O segundo ponto versa sobre o papel da Aliança no sistema das Nações Unidas e no seio da Comunidade Internacional, que está longe de estar definido ou até de ser pacífico.

 

Ø     Este ponto é importante. Por um lado, considerada no sistema das Nações Unidas, a Aliança tem um desafio à sua frente porque aparece, de uma certa forma, como um corpo estranho ou um “objecto não claramente identificado”. Pelas temáticas de que se ocupa tem zonas de intersecção com outros órgãos da NU – e em primeira linha, com a UNESCO; pela abordagem e finalidades que prossegue, aparece como um instrumento vocacionado para a diplomacia preventiva, a ser usado a montante das situações de conflito, mas também a jusante, em situações de consolidação de paz.

 

Ø     Claro que nada disto significa que a Aliança esteja vocacionada para interferir com processos políticos de negociação de paz, muito menos para intervir em situações de conflito armado.

 

Ø     Mas, em contrapartida, pode – e deve – desenvolver-se como instrumento de prevenção de conflitos e em situações de pós-conflito enquanto instrumento de consolidação da paz.

 

Ø     Aliás, de acordo com os termos do mandato conferido ao Alto Representante, este pode ser explicitamente chamado pelo Secretário-Geral a intervir em situações de crise para ajudar a reduzir tensões de natureza cultural ou religiosa.

 

Ø     Por outro lado, na galáxia da chamada “Comunidade Internacional”, onde incluo também a extensa rede de organizações da sociedade civil, a Aliança é, sem dúvida, mais uma iniciativa, que vem acrescer a um sem número de outras tantas. Aqui a diferença resulta, sem dúvida, de a Aliança ser uma iniciativa com a marca das NU, o que lhe dá reforçada capacidade de afirmação, de dinamização e uma credibilidade ímpar.

 

Ø     Deste conjunto de elementos, resulta, porém, que a Aliança não deverá nem poderá substituir-se a outras iniciativas/órgãos ou organizações, nem tão pouco competir com elas. Mas também não poderá perder-se na teia das iniciativas avulsas que proliferam um pouco desordenadamente por todo o lado.

 

Ø     A mim parece-me que a força da Aliança terá de resultar da capacidade que souber demonstrar simultaneamente enquanto agente de agregação de esforços e enquanto catalizadora de iniciativas “multi-stakeholders”.

 

Ø     Resumo nestes dois pontos alguns aspectos mais interessantes da Aliança porque me parecem susceptíveis de alguma reflexão. Permitam-me que sublinhe que, qualquer contributo da vossa parte para alimentar o debate e para encontrar soluções para estas dificuldades é naturalmente desejável e, sobretudo, desejado!

 

 

Um desafio

 

Excelências

 

Ø     Estes são tempos decisivos para a consolidação da Aliança.

 

Ø     Ou conseguimos disseminá-la e arrimá-la aos processos regionais em curso, integrando-a nas respectivas agendas (penso, por exemplo, na União Europeia, no Processo de Cooperação do Sudeste da Europa, na União para o Mediterrâneo, na cooperação dos Estados do Mar Negro, na Liga Árabe, na Organização da Conferência Islâmica, na APEC e na ASEAN, no Conselho de Cooperação do Golfo, na Ibero-América, na União Africana, na OSCE, no Conselho da Europa, por exemplo), ou, dizia, dificilmente dobraremos o cabo das boas intenções.

 

Ø     Ou conseguimos integrá-la na agenda interna dos Estados, ou dificilmente ultrapassaremos o plano da retórica.

 

Ø     Ou conseguimos mobilizar a sociedade civil ou dificilmente alcançaremos o nosso objectivo último, que é o de conseguir pequenas melhorias no terreno que sejam portadoras de uma nova esperança.

 

Ø     Para alcançar estes objectivos, o vosso concurso é indispensável.

 

Ø     Por isso, deixo-vos um par de sugestões, que são também um desafio que vos lanço, com vista à consolidação da Aliança.

 

 

Ø     Primeiro – não hesitem em contactar-me sempre que tenham alguma sugestão a fazer sobre iniciativas que a Aliança possa lançar;

 

Ø     Em segundo lugar, peço-vos que usem da vossa influência para, na extensa rede de contactos que desenvolvem pelo mundo fora, dar projecção e visibilidade à Aliança;

 

Ø     Em terceiro lugar, poderiam tentar impulsionar, nos países em que estão acreditados, juntamente com colegas vossos “like-minded” e figuras locais da sociedade civil, círculos informais de amigos da Aliança que, duas ou três vezes por ano se reunisse e se debruçasse sobre temas da Aliança ou até promovesse a organização de um evento conjunto. Esse seria um valioso contributo para desglobalizar a a Aliança e dar-lhe um assento local.

 

 

Muito obrigado a todos.

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 Alocução do Dr. Jorge Sampaio (Português – PDF doc)

Alocução do Dr. Jorge Sampaio (Español – PDF doc)

Conferência de Embaixadores – Madrid, 11 Setembro 2008