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Arquivo de March, 2007

Instituto Português de Relações Internacionais, 12 de Março de 2007

March 12, 2007

Instituto Português de Relações Internacionais

Universidade Nova de Lisboa

 

 

 

 

“Debate sobre o futuro da Europa: a questão da reforma institucional”

 

Jorge Sampaio

 

Ilustres Conferencistas

Caros amigos

  

As minhas primeiras palavras são naturalmente de agradecimento ao Instituto Português de Relações Internacionais, na pessoa do seu Director e meu querido amigo, Dr. Carlos Gaspar, pelo amável convite que me dirigiu para participar nesta Conferência.

Conhecem, imagino, a minha militância pela causa europeia e, porventura, também as minhas convicções europeístas, repetidamente afirmadas ao longo da última década, algumas das vezes até neste mesmo local.

Aliás confesso que quando comecei a preparar esta intervenção, me invadiu um sentimento mesclado de estranheza e de déjà vu.

Sentimento de déjà vu porque, em boa verdade, andamos a discutir esta temática desde o Tratado de Nice que, em anexo, comportava já uma “Declaração sobre o futuro da Europa”. Ou seja, pelo menos, desde a última Presidência Portuguesa da União Europa, no virar do século. Mas, querendo ser mais rigoroso, poderíamos mesmo subir um pouco mais no mapa do tempo e ir até Maastricht, marco incontornável da história europeia a um duplo título – primeiro, porque foi o último grande Tratado europeu que permitiu praticamente todos os mais significativos avanços até hoje registados a nível da integração europeia; em segundo lugar, porque foi o primeiro Tratado inacabado, que deixou já em aberto um conjunto de questões importantes para o futuro da Europa.

Por tudo isto, a uma profunda impressão de déjà vu, a que me referia acima, se associou também um sentimento de estranheza porque, olhando agora para o passado mais recente, a questão do futuro da Europa só desapareceu do debate público quando, em meados de 2005, franceses e neerlandeses, enterraram o Tratado Constitucional Europeu. Ou seja, quando, de repente, nos vimos afundados num presente sem futuro, condenados a viver um período de nojo decretado, mas a que se deu o nome oficial de “período de reflexão”.

Confesso-lhes também que, porventura por deformação da minha vida política, sempre associei “reflexão” à acção e à necessidade de, antes de tomar decisões importantes, pesar os prós e os contras, aferir a bondade das alternativas e fundamentar devidamente uma visão e uma estratégia. Por isso, período de reflexão não pode ser para mim, sobretudo quando estão em causa questões de interesse público ou ligadas ao futuro da colectividade, sinónimo de compasso de espera sem fim à vista nem tão pouco forma de iludir problemas.

Claro que no imediato rescaldo da consulta popular em França e nos Países Baixos seria difícil – e até absurdo – relançar um debate sereno sobre o futuro da Europa. Mas, a meu ver, aquilo a que já chamei também “tempo de ressaca” tem sido longo, demasiado longo. Depois, o facto de se ter ignorado que o impasse se transformou, com o correr do tempo, numa crise funda tem contribuído para agravar, ainda mais, a desresponsabilização de uns, o alheamento de outros e, sobretudo, a dificuldade geral em ultrapassar a situação de bloqueio que actualmente se vive.

A certa altura, tentou-se escamotear a crise de confiança na Europa, desviando a atenção para aquilo a que se chamou alternadamente “Europa dos resultados” ou dos “projectos” no pressuposto – a meu ver erróneo – de que bastaria que a Europa melhorasse o seu desempenho prático em sectores chave para os cidadãos – na economia, no emprego, na imigração, na segurança – para que o impasse constitucional se diluísse. Ora, este pressuposto repousa numa falácia porque omite a relação de causalidade entre estas duas questões. Ou seja, para que precisaríamos de um novo Tratado se a Europa conseguisse, no quadro contractual vigente, alcançar as finalidades que prossegue? Para quê então todos estes anos dedicados à reforma institucional da Europa, se o Tratado de Nice fosse suficiente para continuar o processo de integração da Europa alargada?

Realizado em grande parte o desígnio mobilizador da unificação do continente europeu, cujo significado e importância, não são naturalmente de todo secundários, e que constituiu um poderoso motor do projecto europeu até Maio de 2004, vivemos desde então prisioneiros, por um lado, do próprio sucesso da história da integração europeia e, por outro, da nossa incapacidade em responder a um conjunto sempre mais vasto de desafios colocados pela globalização galopante e por uma realidade internacional sem cessar mais volátil, mais exigente e cada vez mais imprevisível.

As dificuldades são, em primeiro lugar, de ordem interna e prendem-se com o recente alargamento. Digamos que a União se confronta a este nível com típicos problemas de crescimento, que importa controlar, através de adequadas políticas correctoras, medidas de acompanhamento e estratégias de contenção de riscos. Mas as dificuldades são também de natureza exógena e resultam da globalização, quer se trate da economia, do emprego, da protecção social, da educação e da formação profissional, das migrações ou da segurança, só para dar alguns exemplos de sectores em que os efeitos negativos da mundialização mais se têm feito sentir e em que a Europa mais tem revelado as suas insuficiências em sustentar a acção dos Estados.

Resulta assim a percepção, por parte das opiniões públicas, de que quer a Europa quer os seus Estados têm fracassado, o que contribui para agravar o sentimento de insegurança, para descredibilizar o projecto europeu e até para alimentar o desencanto dos cidadãos em relação à política em geral.

Mas, a meu ver, há aqui um certo paradoxo. De uma parte – mostram-no todas as sondagens – os europeus pedem mais da Europa e da União Europeia, nomeadamente no que se prende com a regulação das consequências da globalização económica, sobretudo no plano do emprego, e com a afirmação da Europa no mundo; mas, de outra, não parecem, acreditar muito na capacidade das instituições europeias, nem estar dispostos a dar-lhes os meios necessários para a realização das suas missões – não é o que revelam a baixa taxa de participação nas eleições europeias bem como o impasse constitucional ?

Salta, no entanto, aos olhos que as dificuldades com que nos defrontamos reflectem, pela sua dimensão estrutural, preocupantes sinais de vulnerabilidade do modelo de desenvolvimento comum à maioria dos parceiros da União Europeia. Por tudo isto, entendo que para estes problemas, que são de natureza global, não há soluções unilaterais nem espaço para atitudes isoladas.

Assim, o primeiro escolho a evitar neste processo, é o dos impasses do proteccionismo, do retraimento internacional e do impulso libertário de desmantelamento do modelo europeu. Em segundo lugar, importa empenharmo-nos na procura das melhores estratégias para que a União Europeia, como um todo, possa sair da crise.

É neste ponto que se torna urgente ultrapassar o actual bloqueio constitucional. E aqui entendo naturalmente que é preciso escutar o que diz a opinião pública europeia e respeitar o sentido do voto dos europeus, não só dos que votaram o Tratado como dos que o recusaram.

Gostaria a este propósito de lembrar três resultados de estudos de opinião feitos no rescaldo dos referendos em França e nos Países Baixos: primeiro, mesmo os partidários do “não” afirmaram acreditar numa renegociação da Constituição (respectivamente 62% em França e 65% nos Países Baixos); segundo, em ambos os casos, a esmagadora maioria dos eleitores afere positivamente a sua pertença à União Europeia (88% em França e 82% nos Países Baixos); terceiro, embora a avaliação da necessidade de uma Constituição não seja uniforme nos dois países, é afirmativa em ambos (para os franceses esta é indispensável à prossecução da construção europeia (75%), ao passo que os holandeses estão divididos (50%) em relação a este ponto).

Daqui parecer legítimo concluir que quer os franceses quer os holandeses rejeitaram o Tratado não por serem anti-europeus ou por porem em causa a sua pertença à União Europeia, mas por não serem eurodogmáticos, por considerarem que, tal como em política interna, têm uma palavra a dizer sobre os destinos da União. Ou seja, não é a credibilidade da opção europeia que está em jogo, mas a afirmação da vontade dos povos no que respeita aos desígnios da União Europeia. Importa que os cidadãos se revejam na União e que esta represente a vontade dos Povos. A Europa dos Povos está pois viva e de boa saúde e este elemento é, por si só, de saudar.

Como corolário de todos estes elementos, impõe-se refutar a tese, infundadamente propalada, de que eurocepticismo começa a ser a tendência dominante na Europa. Mesmo se, no ano passado, se registou uma ligeira diminuição do apoio dos cidadãos à União Europeia, o Eurobarómetro de Dezembro último mostrava que 53% das pessoas interrogadas valoram positivamente a sua pertença europeia positiva, 54% entendem que esta favorece o seu país. No entanto, a opinião pública mostra-se francamente insatisfeita com o rumo seguido quer pela União Europeia (apenas 33% considera que vai na boa direcção) quer pelo seu próprio país (só 28% está optimista).

Daqui permito-me concluir também que há boas razões para se reclamar “mais Europa e melhor Europa”, até como condição de melhoria da própria situação a nível nacional.

Quando digo mais Europa, penso numa União Europeia mais integrada politicamente, no sentido para que aponta o Tratado Constitucional europeu. Por isso entendo que, qualquer que seja a solução formal a encontrar, importa preservar o acervo do actual Tratado. Os avanços que contém permitirão dar um impulso político à União.

Poder-se-ia naturalmente ter ido mais longe. No plano social ou ainda institucional. Por exemplo, pessoalmente continuo a pensar que a inclusão de um sistema bicameral teria sido seria benéfica para a salvaguarda do princípio da igualdade entre os Estados e para o bom funcionamento da União como Federação de Estados-Nação. Mas foi o acordo possível. Importa pois não desperdiçar as potencialidades que este Tratado encerra. Devemos evitar que o seu património seja liquidado, saldado ou posto em leilão, o que só prejudicará países de dimensão média, como Portugal. Há que lutar pela sua recuperação.

Por isso participei na redacção e subscrevi, com outros, o Apelo de Florença, em Novembro passado, um curto texto em que se defende a preservação das Partes I e II do actual Tratado Constitucional e uma eventual clarificação dos pontos litigiosos da parte III através da inclusão de declarações ou protocolos adicionais.

Também sei que actualmente há outras propostas em estudo, inclusivamente a de proceder por etapas, começando pela adopção de um mini-Tratado, porventura reduzido à Parte I pontualmente completada com algumas disposições da Parte III.

O tempo joga contra nós. Perante a emergência certa de novos actores mundiais, se a Europa não se quiser tornar mera espectadora da história, há que agir depressa.

Só com mais Europa política poderemos evitar o declínio e a irrelevância para que algumas teses em voga nos pretendem remeter. A União Europeia é demasiado importante no sistema internacional para se entregar a uma lógica de fechamento depressivo ou a reacções emocionais face aos poderes que lhe disputam espaço de influência no mundo de hoje, representem eles hegemonias já instaladas, como a americana, ou potências emergentes como a China ou a Índia.

Defender o futuro da Europa passa hoje por prosseguir a causa europeia, enquanto causa de paz, de direitos humanos, de democracia, de liberdade e de protecção do modelo social europeu das ameaças que resultam de um entendimento puramente liberal da globalização. Defender o futuro da Europa passa hoje por prosseguir essas diferentes causas, dando satisfação ao que pedem os nossos cidadãos e relançando, com coragem, o projecto político europeu. Mas para tal precisamos, no mínimo, do acervo do actual Tratado constitucional. É preciso apressar o passo porque a globalização é como as emergências, não espera.

 

Muito obrigado a todos 

 

 

 

 

 

30 anos de Poder Local

March 8, 2007
Universidade do Minho
Centro de Estudos Jurídicos do Minho
Braga, 8 de Março de 2007
«CICLO DE CONFERÊNCIAS COMEMORATIVO DOS 30 ANOS DE PODER LOCAL»

Sessão de encerramento

Discurso de Jorge Sampaio

 

Senhor Presidente do CEJUR, Professor Cândido de Oliveira

Senhores Conferencistas

Minhas Senhoras e meus Senhores

 

Penalizando-me por não ter podido estar presente no Ciclo de Conferências comemorativo dos 30 anos de poder local, que teve lugar em Dezembro último, foi com todo o prazer que prontamente aceitei participar nesta sessão de lançamento da obra que contém os textos das referidas intervenções.

Não só porque ao longo dos mais de 30 anos que levo de vida ao serviço da causa pública, sempre considerei o poder local, a diversos títulos e em distintas situações, indissociável do exercício democrático; mas também porque entendo que o poder local é um factor de estabilidade do regime político e de alavancagem do desenvolvimento do país.

Não querendo, naturalmente, repetir-me, procurarei apenas nesta breve intervenção que farei, sublinhar alguns desafios que o poder local deverá afrontar no futuro, que me parecem merecer destaque, de que seleccionarei três:

 

– Pensar global, agir localmente – reforçar o princípio da subsidiariedade

– Amanhã começa hoje – apostar no desenvolvimento sustentável

– Aprofundar a democracia através do reforço da cidadania

*

Pensar global, agir localmente

Em tempo de globalização, marcado por uma crescente interdependência das economias e das relações políticas, sociais e culturais entre os povos, a questão do Estado é um dos temas centrais das democracias europeias.

O Estado liberal e republicano, de que o nosso é directamente herdeiro, é um modelo estatal que exprime uma concepção unitária da nação, construída por afirmação contra a prevalência de um sistema de privilégios, contra a desigualdade perante a lei, contra os poderes periféricos e a insuficiência de representação nacional.

Mas consolidado o Estado moderno na suas funções garantísticas da igualdade perante a lei, das liberdades fundamentais e da solidariedade nacional, a tendência das últimas décadas, na Europa, tem sido descentralizadora.

Foi o 25 de Abril que permitiu a Portugal integrar este movimento de descentralização pois, como é sabido, o poder local é, antes de mais, um resultado feliz da Democracia.

Acredito que o reforço e o aprofundamento da via descentralizadora fará mais pela harmonização e pela solidariedade do que o centralismo. Tenho afirmado a convicção de que um sistema administrativamente descentralizado é um sistema politicamente mais justo e administrativamente mais eficaz.

Mas na ânsia de dar justa e justificada resposta à necessidade de descentralização administrativa, e como tal proceder à reforma das funções do Estado, é ainda importante não perder de vista que muitas das suas características são essenciais e continuam válidas, não devendo, por consequência, ser postas em causa.

Na verdade, se a desconcentração e a descentralização me parecem necessárias, por razões que me dispenso de referir, por sobejamente debatidas, igualmente me parece necessário garantir o exercício de um Estado forte, capaz de assegurar a coesão nacional e de definir as grandes prioridades de desenvolvimento do país. Este é o equilíbrio por onde passará uma das vertentes da reforma da Estado moderno.

 

Qualquer um dos extremos, centralização excessiva ou descentralização desnecessária, me parecem inconvenientes para o país. Gradualismo e concertação parecem ser a chave para uma reforma equilibrada dos poderes.

Importa, por outro lado, que as populações se revejam na progressiva evolução do modelo, que o consolidem, garantindo a sua constante e necessária participação democrática. É aconselhável, portanto, que todas as reformas mantenham sistemas de representação que consolidem e se possível ampliem os actuais mecanismos de integração dos cidadãos no processo democrático.

Na realidade, o nosso tempo é marcado por uma crescente exigência de proximidade dos cidadãos em relação àqueles a quem confiaram, pela eleição, a responsabilidade de resolver os problemas do seu bem‑estar e qualidade de vida. É o tempo de uma nova ambição de participação das populações nas decisões que mais directamente as afectam, no quadro democrático. É também, por isso mesmo, um tempo em que se reclama aos poderes públicos que se organizem efectivamente, aos diversos níveis, de acordo com o princípio da subsidiariedade, entendido no sentido de que, “o exercício das responsabilidades públicas deve incumbir, de preferência, às autoridades mais próximas dos cidadãos”, tendo em conta a natureza das tarefas a desempenhar e as exigências de eficácia e economia, conforme prescreve a Carta Europeia da Autonomia Local.

Aliás, a meu ver, o princípio da subsidiariedade aplica-se não só ao escalão da governação nacional e local, mas também no plano mundial e, com maioria de razão, europeu. A consideração dos vários escalões de governação tornou-se um imperativo, por força quer da globalização quer dos movimentos de integração regional, como é o caso paradigmático da União Europeia, a que pertencemos.

As experiências de desenvolvimento centradas no local estarão condenadas a morrer, se não estiverem articuladas entre si e com as políticas de âmbito nacional, se não se inscreverem numa matriz integradora de nível regional, se não levarem em devida consideração a dinâmica criada pela integração europeia.

Mesmo para agir localmente, importa pensar sempre globalmente porque é cada vez maior o número de problemas que, embora possam requerer soluções locais, revestem uma dimensão transversal com carácter nacional, regional, ou até, global.

Por isso, adquire essencial importância o princípio da subsidiariedade para assegurar, em cada circunstância, não só o nível mais apropriado de decisão, mas também o seu enquadramento num contexto de imparável globalização e de internacionalização. Nenhuma sociedade, nem comunidade, se pode alhear do meio exterior em que evolui. Esta é a complexidade intrínseca do nosso tempo.

É neste contexto que as administrações locais se confrontam hoje com um número crescente de responsabilidades, sob a pressão criada por um vasto conjunto de novas áreas em que são constantemente chamadas a intervir e em relação às quais nem sempre dispõem dos instrumentos e meios adequados para assegurar uma adequada actuação.

Os governos procuram novas opções, reformulando funções e competências, trilhando o estreito caminho entre o desenvolvimento de novos limiares de subsidiariedades – quer em relação às instâncias comunitárias quer em relação às administrações locais ou regionais –  e o debate, aliás tenso, sobre o desinvestimento do Estado em funções – sobretudo sociais – que  lhe estavam confiadas.

Em suma, direi que estamos perante uma encruzilhada em que se tratará de definir novos e dinâmicos equilíbrios entre os vários escalões de governação, na certeza de que, por um lado, é ao nível do poder local que os cidadãos mais serão tentados a ser exigentes e a reclamar responsabilidades e de que, por outro, é também a este nível que serão mais visíveis os efeitos – positivos e negativos – da articulação e do jogo de forças entre o nível supranacional e nacional.

 

O amanhã começa hoje: o desenvolvimento sustentável

 

Como exemplos de novas áreas de intervenção em que se espera que os municípios exerçam uma política activa, referiria o da valorização do património natural e construído, na dupla perspectiva, por um lado, do desenvolvimento sustentável e, por outro, de defesa da memória colectiva e de poupança de recursos escassos. Ou seja, não se trata apenas de recuperar patrimónios no sentido de uma cultura de excepção, mas de os requalificar em função das pessoas, dos seus laços com os sítios, das suas memórias, da sua identificação enquanto membros de uma comunidade. Cuidar da herança das paisagens, das pedras e das pessoas, deve ter prioridade sobre o começar tudo de novo à custa de recursos não renováveis, de novas infra-estruturas e novas edificações, e, sobretudo, de novas raízes, que as pessoas por vezes penosamente terão que forjar.

Por outra parte, é absolutamente necessário que as populações e os agentes económicos incorporem nos seus interesses a noção de desenvolvimento sustentável e apreciem soluções duráveis, ainda que menos espectaculares, e criadoras de sinergias entre centro e periferia, entre público e privado.

É preciso cuidar do ordenamento do território e da humanização dos espaços habitados, designadamente urbanos. Este é um desafio de civilização, pois desse ordenamento dependem a qualidade de vida das pessoas e as próprias condições de afirmação da cidadania.

Fenómenos como o estrangulamento das acessibilidades, o envelhecimento dos núcleos históricos, a exclusão social e a marginalidade impõem aos responsáveis autárquicos a definição de políticas orientadoras globalmente fundamentadas, susceptíveis de contrariar a tendência para a degradação da vida nas periferias das grandes cidades.

Mas os instrumentos renovadores da vida urbana são igualmente indispensáveis para a afirmação dos núcleos de menor dimensão, que travam uma luta de quase sobrevivência contra a desertificação e a litoralização.

A fixação e atracção de populações nestas zonas, fundamental para o equilíbrio do conjunto do espaço geográfico e humano nacional, impõe uma extensa qualificação dos recursos à disposição dos concelhos com mais pequenos núcleos urbanos.

A atenção aos recursos humanos é pois um dos temas que não pode deixar de ocupar lugar cada vez mais central na agenda política dos autarcas. Refiro-me à sempre mais premente e necessária intervenção social do poder local. O desemprego, a pobreza e a exclusão ocorrem na generalidade do território e não são problemas apenas das grandes metrópoles. Mas penso também nos domínios da educação e da formação, nos quais aliás se suscitam múltiplos planos de complementaridade entre a administração local e a administração do Estado.

Nunca me cansarei de repetir que o desafio da educação e da formação é absolutamente crucial para o desenvolvimento do nosso país. É necessário levar a sério a ideia de que os estabelecimentos de ensino e de formação são parte fundamental dos serviços públicos de bem-estar e, portanto, devem ser apoiados por todos os outros elos da rede de protecção social dos cidadãos. As autarquias podem desempenhar um papel importante na articulação entre o sistema regular de ensino, o subsistema de formação profissional e a rede empresarial, enquanto motores últimos da inovação. Só assim será possível aproveitar melhor as qualificações existentes e apostar na requalificação da sua mão-de-obra, reforçar a capacidade produtiva e concorrencial.

Em todas estas questões, importa ter presente a problemática do desenvolvimento, dos seus modelos, da sua sustentabilidade e, deste modo, da sua responsabilidade social, intra e inter-geracional.

Quando me refiro a desenvolvimento sustentável quero significar uma visão ampla e solidária do Portugal moderno. Uma solidariedade que tem numa concepção alargada de território a sua base de apoio.

Ou seja, pretende-se uma consideração do território que olhe de frente para os problemas da agricultura e das florestas, que reconheça a necessidade de estudar e proteger a diversidade biológica, conservar a fauna e a flora, os rios e mares bem como a variedade das nossas paisagens.

A solidariedade, que não é dissociável do ambiente e do desenvolvimento sustentável, implica também um adequado ordenamento do território, abrindo caminho para uma boa distribuição das actividades económicas, das vilas e cidades, que nos permita o correcto uso dos recursos naturais, do solo, da água, do ar, numa perspectiva de equidade social e regional, sem esquecer o nosso dever de deixar às gerações futuras um país de que também se possam orgulhar.

Mas, para isso, é preciso mudar velhos hábitos e vencer preconceitos. É preciso pensar no longo prazo. É preciso reconhecer o papel da ciência e do conhecimento. É indispensável repensar a coordenação das políticas públicas. É preciso desenvolver uma cultura cívica do diálogo e da cooperação, vencendo a nossa tradicional propensão para a quezília mesquinha e paralisante.

Nos últimos anos, a ideia de sustentabilidade do desenvolvimento tem penetrado praticamente todos os sectores da vida pública e faz parte das agendas dos órgãos políticos, das empresas e das organizações não-governamentais. A consolidação desta orientação passa por uma prática sempre mais exigente, em que o contributo do poder local não é de forma alguma dispensável. Por isso, é necessário que as autarquias disponham, para poderem responder eficazmente a estes cruciais desafios, de instrumentos jurídicos, técnicos e financeiros adequados. 

Mas é óbvio que os órgãos eleitos locais não podem ficar indiferentes ou à margem dos grandes desafios civilizacionais com que estamos confrontados. O desenvolvimento não se resume à componente do crescimento, tem que ser visto numa perspectiva pluridimensional, de desenvolvimento sustentável.

 

Aperfeiçoar a democracia através do reforço do poder local

Como tenho frisado frequentemente, o poder local, apelando à participação das populações e exercendo funções em grande proximidade com as pessoas, tem sido uma autêntica escola de cidadania que acumulou um capital de confiança da maior importância para a democracia portuguesa.

Os eleitos locais são porta-voz e mediadores dos interesses das comunidades. Eles dão corpo a uma das formas de representação política em que a dimensão de responsabilização directa e de resposta imediata às expectativas das populações são, porventura, mais exigentes.

O balanço de 30 anos de poder local permite, no meu entender, destacar o contributo positivo e sólido dado ao combate a tantas dificuldades nacionais que o centralismo do Estado não estava em condições de travar. Não quero, com isto, dizer que foram resolvidos de forma satisfatória todos os problemas, longe disso.

Mas, a confiança dos cidadãos no poder local, construída ao longo de anos, é um dos factores de estabilidade do regime político. A manutenção dessa confiança na evolução da repartição de competências administrativas é por isso essencial.

Apesar do catastrofismo de algumas análises e atitudes perante o poder local, multiplicam-se os sinais de que os cidadãos se sentem melhor representados por aqueles que lhes estão mais próximos, que estão mais disponíveis para os ouvir e para procurar respostas para as suas necessidades. Eu direi mesmo que as pessoas sentem que essa relação de maior proximidade com os eleitos torna mais eficaz a sua crítica a aspectos concretos da actuação política local.

Esta percepção representa um capital de confiança essencial para a democracia, que deve ser aprofundado e não descredibilizado. Por isso, por um lado, parece-me injusto e despropositado o lançamento de suspeições generalizadas sobre os autarcas, que inquestionavelmente desempenham as mais relevantes funções políticas num quadro de serviço público particularmente exigente e de, por vezes, bem desconfortável visibilidade. Mas, por outro, reconheço certamente que é necessário criar condições para uma intensificação da confiança dos cidadãos no poder autárquico. Para tal, importa combater por todos os meios comportamentos duvidosos, como a especulação de terrenos e imobiliária, o urbanismo desenfreado e todas as formas de corrupção que, como sabemos, têm contribuído para desbaratar o capital de confiança nas autarquias.

Mostrei-me favorável, num tempo em que tal não se tinha ainda tornado corrente, a uma reponderação do modelo de organização do poder local, no sentido de adoptar formas mais directas de avaliação e de fiscalização do seu exercício. A expectativa das populações relativamente às suas autarquias e aos seus autarcas é muito elevada. Mérito sem dúvida do sistema de autonomia local e dos seus protagonistas. Este reconhecimento é exigente. Afinal os cidadãos sabem que a sua qualidade de vida depende em múltiplos aspectos da actuação do poder local.

A vida política democrática joga-se na articulação entre as instituições e as preocupações e ansiedades do quotidiano. O poder autárquico é actor fundamental, não um espectador ou um mero beneficiário, deste processo de revigoramento democrático, através da aproximação entre o Estado e os cidadãos.

Não creio enganar-me se disser que Portugal não pode dispensar o exercício de um Estado forte como factor de coesão nacional. Mas, parece-me também que necessita do reforço do poder local, como irrecusável factor de desenvolvimento e de aprofundamento da Democracia.

Muito obrigado a todos.

 

O mundo em mutação, a Europa em crise – e Portugal?

March 1, 2007
Faculdade de Economia do Porto
“O mundo em mutação, a Europa em crise – e Portugal?”
Conferência-debate
Jorge Sampaio
Porto, 1 de Março de 2007

 


Senhores Professores

Caros estudantes

Meus amigos

  • Antes de mais, deixem-me dizer-lhes que foi com todo o gosto que aceitei o convite para participar nesta conferência-debate, organizada pela Associação de Estudantes da Faculdade de Economia do Porto.
  • Congratulo-me ainda com o facto desta intervenção ter sido incluída no ciclo de conferências que a Faculdade vem organizando, com o objectivo de abrir perspectivas de discussão aos seus alunos como complemento das actividades lectivas correntes.
  • Sempre achei muito estimulante este tipo de encontros com jovens, não só pela energia e optimismo que em geral conseguem transmitir, mas também porque os seus pontos de vista acrescentam sempre algo à visão de um político insatisfeito e mesmo um pouco inconformado como eu sou.
  •  Por isso, durante os últimos dez anos nunca deixei de dedicar um tempo considerável – quer no país, quer aquando de deslocações ao estrangeiro – a debates com estudantes, a visitas a escolas, politécnicos e universidades, ao diálogo franco e aberto com todos quer sobre questões de educação e de formação, quer sobre temas de sociedade mais vastos, ligados à actualidade e às preocupações que o futuro suscita;
  •  Entendo que nestes intercâmbios todos temos a ganhar e que, quanto mais cimentarmos a solidariedade inter-geracional, maior será a nossa capacidade de apreendermos o presente e de formularmos projectos mobilizadores;
  •  De facto, neste tempo de mudanças tão velozes, incertas e imprevisíveis – até por efeito da própria globalização – é preciso saber manter sobre a vida um olhar desperto, desenvolver a capacidade de adaptação, enfrentar os problemas com a lucidez possível e encarar as injustiças emergentes com o necessário sentido crítico.
  •  Neste mundo crescentemente interdependente, segundo lógicas frequentemente desiguais, a acumulação de conhecimentos, a aquisição de competências técnicas e a especialização são, sem dúvida, necessárias, mesmo indispensáveis, mas já não habilitam nem garantem uma vida profissional – para já não falar no plano pessoal – bem sucedida.
  •  E o que dizer de todos aqueles que, tantas vezes por razões que os ultrapassam, não chegam sequer a adquirir competências básicas?
  •  Por todas estas razões, achei interessante subordinar as reflexões que venho partilhar convosco ao título “O mundo em mutação, a Europa em crise – e Portugal ?”
  •  É um tema muito vasto, controverso e sobretudo em aberto, por isso gostaria de sublinhar a interrogação que lhe está subjacente.
  •  Mais do que teorias e certezas quero partilhar convosco interrogações, porventura algumas preocupações e sobretudo proporcionar-vos “matéria para pensamento”, socorrendo-me da curiosa expressão dos anglófonos – food for thought, – mas que traduzida em português não tem a mesma força expressiva!
  •  Percorramos pois sucessivamente estes 3 horizontes do universo espacio-temporal em que vivemos – o mundo, a Europa e, naturalmente, Portugal

 

Primeiro horizonte

Um mundo em mutação 

 

  • Tornou-se quase banal afirmar que a história se acelerou nas últimas décadas e que a globalização precipitou um conjunto de profundas mudanças.
  •  Mas, no plano económico, serão as mudanças em curso realmente um resultado directo da globalização ? Ou decorrerão elas afinal da evolução do próprio processo de industrialização e da incapacidade dos agentes económicos e do Estado para formularem a tempo estratégias de contenção de riscos e de reconversão do padrão de especialização das economias  ?
  •  É bom não esquecer que ao longo da história as economias evoluíram continuamente e hoje atravessamos uma fase de mutação em direcção a uma economia de serviços, que, de resto, vai – pelo menos em parte – ao encontro das novas  necessidades da população.
  •  Pessoalmente, inclino-me a pensar que muitas destas mudanças teriam lugar com ou sem globalização, embora porventura a um ritmo completamente diferente.
  • De facto, a globalização acelerou todo este processo através dos efeitos resultantes da aceleração dos fluxos de capitais, das inovações tecnológicas e da redução dos preços de importação.
  • Mas não me parece valer a pena aprofundar esta questão, que é um pouco como a da galinha e o do ovo.
  • A meu ver, o que importa mesmo é sublinhar, por um lado, o papel das novas tecnologias da informação e da comunicação – as TIC que vocês tão bem conhecem – como vector de profunda mudança da vida económica no sentido da progressiva integração dos mercados à escala mundial. Por outro, o conjunto de alterações sociais, políticas e culturais que igualmente se produziram e que criaram um novo modelo de sociedade – aliás chamado “sociedade da informação”;
  • Neste conjunto de mutações, se a  economia de mercado e a democracia parecem ter sido erigidas em princípios amplamente aceites, em contrapartida, também parece claro que os mercados não podem resolver todos os problemas, nem asseguram – longe disso – uma partilha equitativa dos benefícios decorrentes da sua eficácia específica.
  • Mas vejamos: afinal o que mudou com a globalização ?
  • Em termos muito sintéticos, poderíamos dizer: a globalização trouxe um ritmo de crescimento económico ímpar, mas produziu também um colossal aumento das desigualdades. São estas as duas faces da moeda “globalização”.
  • De facto, aumentou o fosso entre os países ricos e pobres, bem como dentro de cada um deles, entre os segmentos mais favorecidos e os mais carenciados. O quarto da população mundial mais rica viu o seu rendimento aumentar seis vezes durante o século XX, ao passo que o rendimento do quarto mais pobre apenas triplicou.
  • Esta realidade profundamente contrastada mostra que a resposta à globalização também não foi uniforme, longe disso. Por isso há aqui duas questões interessantes a levantar:

 

 

  •  
    • Uma diz respeito à forma como os países em desenvolvimento enfrentaram o desafio da globalização e da integração dos mercados;
    • A outra refere-se à forma como os países industrializados responderam a este mesmo desafio.

 

 

  • Quanto ao primeiro grupo, devemos antes de mais reconhecer a  profunda heterogeneidade no modo como reagiram às oportunidades da globalização. Em alguns países – especialmente na Ásia – encetou-se desde 1970 um movimento de aproximação dos rendimentos per capita dos países industriais. Noutros – aliás um grupo numeroso – os progressos têm sido  lentos e, por vezes, tem mesmo havido retrocessos. Particularmente em África, o rendimento per capita recuou em relação às regiões industrializadas e em alguns países declinou mesmo em termos absolutos.
  • Mas para melhor tentar avaliar o sentido e a qualidade do crescimento, para além do rendimento per capita, podemos e devemos utilizar também outros indicadores.
  • Por exemplo, se usarmos o chamado Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) – que, como sabem, considera outras dimensões, como a educação, a esperança de vida etc -,  podemos obter uma imagem mais completa e realista dos contrastes entre as condições de vida das populações.
  • Deve, no entanto, sublinhar-se que mesmo se, numa perspectiva a longo prazo, o “fosso IDH” diminuiu, há ainda muitos milhões de pessoas a perder terreno. Pode ter aumentado a esperança de vida (o que nem sempre acontece, designadamente em África por causa da SIDA), mas a qualidade de vida não melhorou, a pobreza absoluta persiste. Há 19% da população mundial a viver com menos de 1 dólar por dia.
  • Pegando agora na segunda questão que acima coloquei – qual a perspectiva dos países avançados em relação à globalização – poderia formulá-la de outra maneira: será que esta tem prejudicado os interesses dos populações e em particular dos trabalhadores ?
  • Não restam dúvidas que a globalização tem criado novas vulnerabilidades em vastos sectores sociais dos próprios países avançados, designadamente da União Europeia.
  • O aumento da concorrência e as deslocalizações, entre outros factos, têm produzido um impacto negativo no tecido produtivo, na qualidade do emprego e do trabalho e nos níveis de desemprego de muitos desses países.
  • Agora a questão política fundamental que se levanta é a da repartição dos ganhos pois estes não se distribuem de forma equitativa entre as categorias sócio-profissionais, havendo mesmo uma clara deterioração da situação de certos grupos. É o caso, por exemplo, dos trabalhadores de algumas indústrias transformadoras (têxteis, calçado etc) que experimentam sérias – senão intransponíveis – dificuldades para fazer a transição para um padrão industrial bem mais qualificado.
  • Em suma, devemos concluir que, quer se goste, quer não, a globalização da economia é uma realidade concreta, incontornável e imparável.
  • Portanto, a questão relevante não é ser a favor ou contra, mas sim saber que globalização  queremos e como a poderemos gerir para a melhorar  em benefício de todos.
  • As forças de mercado são um eficiente e eficaz mecanismo de afectação de recursos e de crescimento económico, mas entregues a si próprias, por vezes, limitam ou condicionam de forma indesejada a vida e até a cultura das pessoas, do mesmo modo que as exigência dos mercados financeiros internacionais e a luta pela competitividade também podem originar tensões e conflitos entre países.
  • Porém, a solução não está em menos globalização e mais proteccionismo, mas sim em mais e, sobretudo, melhor globalização.
  • Um dos desafios da globalização para os países desenvolvidos é precisamente gerirem as mudanças económicas e sociais que a mesma implica, nomeadamente em termos de alteração na divisão internacional do trabalho e na distribuição do rendimento, sem se renderem ao proteccionismo. 
  • Por conseguinte, há que insistir na necessidade de uma estratégia política de resposta aos desafios da globalização e às mutações por ela operada.
  • É aqui que se torna claro que os mercados não substituem a política, antes a tornam mais necessária.
  • É aqui que se vê também que os movimentos de integração política regional são indispensáveis para que as respostas políticas tenham uma escala suficiente para serem eficazes e poderem assegurar a regulação.
  • No que a Portugal diz respeito, parece-me óbvio que só uma resposta a nível europeu permitirá enquadrar de uma forma sólida as abordagem nacional e assim responder cabalmente aos desafios globais.
  •  Sobre o modo de responder politicamente a estes desafios, as opiniões divergem e tem-se assistido a algumas hesitações um pouco por todo o lado.
  • Deverão os países tentar proteger grupos específicos de trabalhadores – como por exemplo, os trabalhadores com salários baixos de indústrias em declínio ? Deverão ser impostas restrições aos fluxos comerciais e de capitais ?
  • No curto prazo, esta abordagem poderá porventura ajudar, mas em última instância e no longo prazo será feita em detrimento dos padrões de vida da população em geral.
  • Ao contrário, parece-me que o mais adequado será apostar, por um lado, na integração na economia global (e nesta medida a Agenda de Lisboa, embora com algumas claras insuficiências, aponta para o bom caminho); por outro, em medidas sociais de prevenção e de acompanhamento e, neste plano, falta ainda uma Agenda Social europeia à altura dos desafios.
  • A economia europeia como um todo será sempre mais próspera e igualitária, se forem seguidas políticas não apenas sintonizadas com a promoção de uma economia aberta, mas também com a preocupação social de contenção das vulnerabilidades e de uma partilha mais equitativa dos benefícios.
  • Não há fatalismos.
  • Há que quebrar o mito dos neo-liberais de que a lógica dos mercados resolve todos os problemas e esvazia o campo de actuação política.
  • Há igualmente que quebrar o mito de que a globalização é ingovernável e que anula o espaço de intervenção pública.
  • Por isso, a questão dos direitos económicos, sociais e culturais adquire a esta luz uma dimensão tão importante.
  •  Para que a globalização seja promessa de um futuro melhor para todos – quer para os trabalhadores pobres do mundo desenvolvido quer para os trabalhadores paupérrimos do mundo em desenvolvimento –, a Comunidade Internacional deverá empenhar-se em reforçar a sua capacidade de intervenção e em desempenhar um papel mais activo enquanto instância de regulação política no quadro da mundialização da economia e das relações sociais.
  • Por isso, para além de uma agenda nacional, é indispensável uma Europa forte com uma voz activa na cena mundial, tanto mais autorizada quanto for capaz de fundar a sua política externa no respeito pelos Direitos Humanos, nos valores da solidariedade internacional e na defesa do multilateralismo. Neste aspecto, a Europa tem desempenhado um papel importante enquanto parceiro incontornável do desenvolvimento sustentável das regiões do mundo mais desfavorecidas. Mas poderia claramente fazer mais e melhor.

 

 

Segundo horizonte

A Europa em crise

 

  • Há vinte anos atrás, quando Portugal e Espanha aderiram à então Comunidade Europeia (1986), esta atravessava um dos períodos mais dinâmicos de toda a sua história.
  • Por isso, há quem caracterize a década de oitenta como a da Europa galopante (F. Gonzalez, em Yuste, Julho 2006).
  • Década de sucessos europeus, de facto, caracterizada :
    • pelo alargamento a sul
    • pela adopção do Acto Único e, mais tarde, do Tratado de Maastricht
    • pela plena realização do Mercado Interno e da União Económica e Monetária, dois marcos chave do processo de integração europeia.
  • Por seu turno, a alteração profunda do contexto internacional (com a queda do muro de Berlim, a unificação alemã e o fim da guerra fria) em vez de dividir a Europa, veio consolidá-la.
  • E porquê ?
  • Porque a União Europeia soube responder com uma adequada estratégia a estes novos e inesperados desafios.
  • Inspirando-me agora na metáfora da Europa galopante, poderia dizer que se lhe seguiu a fase da posta-restante, a qual corresponde sensivelmente à nossa segunda década de integração europeia (1996-2006).
  • É verdade que, em 2004, a União Europeia dobrou o cabo do alargamento a leste, que representou um marco histórico no mapa da reunificação do continente e um tempo forte da construção europeia.
  • Mas os resultados destes anos de transição de século não têm respondido às altas expectativas depositadas no projecto europeu, num contexto internacional sempre mais volátil e preocupante
  • De facto, a União Europeia ainda não conseguiu abrir caminho para um novo patamar de integração que lhe permita enfrentar os desafios e ameaças presentes.
  • Entre o cisma iraquiano (que causou inúmeras e duradouras sequelas) e a recusa do Tratado Constitucional em França e nos Países Baixos com as conhecidas e actuais repercussões, parece existir uma inquietante linha de continuidade, corroborada por uma extensa sequência de dificuldades que se vêm avolumando.
  • Penso, por exemplo, no plano da segurança, no do emprego e no da economia. Mas penso, também, na questão das fronteiras da Europa, do diálogo de culturas e civilizações, da imigração ou da própria identidade europeia.
  • Neste conspecto do tempo europeu, 2005 e 2006 assemelharam-se, de facto, a anos de ressaca para a Europa com contornos de verdadeira crise.
  • Ressaca porque a digestão do êxito do alargamento não se revelou fácil e não surtiu os efeitos esperados.
  • Ressaca também por causa do impasse constitucional europeu.
  • Crise, por último, porque há uma real acumulação de dificuldades internas e de inúmeros factores de perturbação externa.
  • Isto faz com que estejamos perante uma verdadeira crise de confiança no projecto europeu.
  • De facto, no inconsciente colectivo dos europeus, por um lado, o ónus de todas as presentes dificuldades recai indistintamente sobre “Bruxelas”, e, por outro, a “Europa” parece canalizar todos os receios, ameaças e incertezas de que os cidadãos se sentem rodeados.
  • Mas, na realidade, devemos reconhecer que é precisamente nas áreas em que os efeitos controversos da globalização mais se têm feito sentir – economia, emprego, segurança, imigração – que a Europa menos se tem revelado capaz de secundar a acção dos Estados na sua resolução.
  • Persiste a dificuldade central em encontrar respostas adequadas para os incessantes desafios da globalização, embora a Comissão venha fazendo esforços crescentes no sentido de relançar algumas políticas europeias e de assim reforçar as solidariedades de facto entre os parceiros europeus em torno do projecto europeu.
  • No meu entendimento, estas dificuldades com que nos defrontamos, reflectem, pela sua dimensão estrutural, preocupantes sinais de vulnerabilidade do modelo de desenvolvimento comum à maioria dos parceiros da União Europeia.
  • Ora, para estes problemas, que são de natureza global, não há, parece-me, soluções unilaterais nem espaço para atitudes isoladas.
  • Por isso, o primeiro passo neste processo consiste em recusar os impasses do proteccionismo, do retraimento internacional e do impulso libertário de desmantelamento do modelo social europeu.
  • Importa, depois, empenharmo-nos na procura das melhores estratégias para que a União Europeia, como um todo, possa sair da crise.
  • Não tenho, por mim, quaisquer dúvidas de que a solução dos actuais problemas só será possível com mais Europa.
  • Quando digo mais Europa, penso numa União Europeia mais integrada politicamente, no sentido para que aponta o Tratado Constitucional europeu.
  • Por isso entendo que, qualquer que seja a solução formal a encontrar, importa preservar o acervo do actual Tratado.
  • Os avanços que contém permitirão dar um impulso político à União. Poder-se-ia naturalmente ter ido mais longe. No plano social ou ainda institucional.
  • Mas importa não desperdiçar as potencialidades que este Tratado encerra.
  • Devemos evitar que o seu património seja liquidado, saldado ou posto em leilão, o que só prejudicará países de dimensão média, como Portugal. Há que lutar pela sua recuperação.
  • Só com mais Europa política poderemos evitar o declínio e a irrelevância para que algumas teses em voga nos pretendem remeter.
  • A União Europeia é demasiado importante no sistema internacional para se entregar a uma lógica de fechamento depressivo ou a reacções emocionais face aos poderes que lhe disputam espaço de influência no mundo de hoje, representem eles hegemonias já instaladas, como a americana, ou potências emergentes como a China ou a Índia.
  • É indispensável acelerar a reforma económica na linha definida pela agenda de Lisboa e, por outro, aplicar programas eficazes de justiça social.
  • Nos países de economia emergente, o grande desafio que se coloca é justamente o da construção de sociedade integradas e inclusivas o que, a meu ver, passa pela construção de sistemas de protecção social (welfare systems).
  • Neste particular, sem dúvida que o essencial será preservar o modelo social europeu combinando com uma economia do conhecimento dinâmica, competitiva e eficaz.

 

 

Terceiro horizonte

E agora nós ?

 

  • Ao virar a página de duas décadas de integração europeia, devemo-nos interrogar – e agora?
  • O que podemos esperar da Europa, o que podemos fazer por Portugal?
  • Os tempos têm sido difíceis.
  • Instalou-se um certo negativismo. Onde antes havia certezas, hoje há interrogações e dúvidas.
  • A confiança dos portugueses no projecto europeu entrou em declínio, segundo as indicações do Eurobarómetro.
  • Deixámos de pertencer a alguns núcleos avançados da integração europeia – não ratificámos o Tratado Constitucional, não fazemos parte dos grupos pioneiros em matéria de Justiça e Assuntos Internos, até deixámos de ser apontados como os bons alunos da União Europeia.
  • Mas não nos devemos deixar abater. Há que reforçar a nossa vontade de agir com continuidade e persistência. Muito depende de nós. Somos capazes de fazer mais e melhor. O que temos de fazer?
  • A meu ver, estaremos a contribuir para o avanço da Europa, se, antes de mais, soubermos responder aos desafios internos que se colocam ao nosso país, os quais se inscrevem, de resto, na Europa que foi e é opção e projecto de futuro.
  • Já por diversas vezes os enumerei. Não vou aqui detalhá-los, se quiserem poderão ficar para o debate. Mas só para exemplificar, refiro-me:
    • ao desafio da educação para garantir uma escolaridade básica de qualidade para todos e a erradicação dos actuais níveis de iliteracia ;
    • ao desafio da formação profissional e da educação ao longo da vida para ultrapassar o elevado défice de qualificação dos nossos activos;
    • ao desafio da investigação e da inovação tecnológica com vista a uma maior interactividade entre o mundo empresarial e científico;
    • ao desafio da competitividade e do crescimento económico para estimular uma ligação descomplexada entre a iniciativa empresarial e o Estado;
    • ao desafio da coesão social e em particular territorial para corrigir assimetrias de rendimento que nos afastam dos padrões europeus e atenuar as desigualdades territoriais que continuam a fazer de Portugal um país profundamente dual;
    • ao desafio do que chamaria, por fim, da requalificação da democracia para aí incluir a credibilização da justiça, a transparência da vida político-partidária, a estabilização de um núcleo duro de direitos, a reabilitação do sentido do exercício da cidadania  etc
  • Todos estes desafios convergem afinal para um aperfeiçoamento constante da democracia e da sua arquitectura institucional que é o Estado de Direito, arquitectura que perderá sentido útil sempre que se dissociar dos cidadãos, da sua energia cívica e de uma genuína vontade de participação.
  • Em todas estas áreas, que constituem uma espécie de agenda de Objectivos de Desenvolvimento do Milénio para Portugal, ganharíamos porventura em fixar metas concretas e realistas, a cumprir dentro de prazos antecipadamente estabelecidos.
  • Parece-me que só assim poderemos vencer uma espécie de inércia, imobilismo e conservadorismo, tão arreigados na nossa forma de ser, que nos tem impedido de avançar com as indispensáveis reformas que nos permitirão acertar o passo com a Europa.
  • Até porque reformando Portugal, serviremos a causa europeia e daremos razão a uma visão forte da Europa.
  • Gostaria de terminar referindo-me brevemente aos desafios externos de Portugal, não só porque estes constituem um aspecto menos tratado, mas também porque a dimensão externa e internacional é hoje condição de sobrevivência de um país.
  • E, neste plano, mencione-se de novo e em primeiro lugar a Europa uma vez que é no quadro europeu que se joga o essencial da  nossa autonomia de decisão e da nossa afirmação externa, designadamente nas nossas áreas prioritárias de relacionamento.
  • Neste âmbito, é também oportuno salientar o elevado nível de participação que Portugal tem assegurado no seio das forças internacionais de paz da ONU, da NATO e da EU, assim como o desempenho exemplar dos militares portugueses nessas missões.
  • Este é um ponto que deve ser destacado porque é uma das frentes do projecto europeu em que Portugal tem estado sempre presente, na primeira linha.
  • A este propósito, permitam-me que evoque ainda o exercício por Portugal da Presidência da União Europeia, no segundo semestre deste ano, a qual constituirá uma ocasião privilegiada para reafirmar o nosso firme empenho europeu e para contribuirmos para o avanço da integração europeia, com determinação, visão e estratégia.
  • Gostaria a este propósito de vos lançar um apelo para que acompanharem com atenção o desenvolvimento dos trabalhos da Presidência Portuguesa e para que, além disso, não se inibam de participar activamente no debate público das questões políticas, económicas e sociais que decorreram da agenda europeia do segundo semestre.
  • É importante que esta Presidência seja vivida como um exercício colectivo em que seja visível a participação e o empenho dos cidadãos, especialmente dos jovens porque afinal, é vossa.
  • Ainda uma sugestão, ou se quiserem, um desafio que aqui vos deixo: preocupa-me actualmente a questão do que representa afinal a Europa para os nossos jovens de hoje, da forma como a vêem, do modo como articulam o vosso futuro no quadro europeu.
  • Para as pessoas da minha geração, a Europa representava um núcleo de valores fundamentais – a paz, antes de mais; a democracia e a liberdade; a prosperidade, naturalmente.
  • Mas não estou hoje seguro de que a vossa percepção seja a mesma. Este hiato interessa-me no contexto das minhas reflexões sobre o projecto europeu.
  •  Se quiserem participar neste exercício, enviem-me os vosso comentários e observações, que me serão, estou seguro, da maior utilidade, para o meu mail [www. casado regalo.pt] – como vêem também eu me converti às TIC…! Não deixarei depois de lhes dar feed-back! Aqui fica esta proposta de um pacto de colaboração!

 

 

Meus amigos 

 

  • É bom não esquecer que a afirmação de um país não se mede só em função da dimensão do território ou do PIB, mas da sua capacidade de se afirmar como parceiro credível, empenhado em contribuir efectivamente e activamente para a resolução dos problemas e para o desenvolvimento de políticas cooperativas e inovadoras.
  • Por exemplo, é essencial também que saibamos defender a língua portuguesa, não só porque é das mais faladas do mundo, como também pelo facto de ser uma língua de negócios e de cultura presente em todos os continentes, que representa um poderoso instrumento de política externa e de diplomacia económica e cultural, embora ainda amplamente inexplorado.
  • Para a afirmação externa de Portugal e dos nossos interesses, é fundamental envidar todos os esforços para nos mantermos no “pelotão da frente” e melhorar a nossa imagem.
  • É preciso que o nome de Portugal acrescente valor, evoque capacidade de diálogo e sentido solidário, sobretudo para com os países menos desenvolvidos, um nome que possa ser associado a qualidade e modernidade, mas também a atitude cooperativa e a participação empenhada na resolução multilateral dos grandes problemas mundiais,
  • Tal estratégia não pode resumir-se contudo a uma operação de marketing para o exterior.
  • É um processo mais fundo, que os próprios portugueses devem assumir, desde logo transformando a visão pouco positiva que muitas vezes têm de si próprios.
  • Através de uma atitude mais afirmativa, empreendedora e que não receie ser inovadora, temos, creio eu, boas razões  para acreditar no futuro.
  • Espero que partilhem este meu ponto de vista.

 

 

Muito obrigado a todos