detalhe de foto de José António Barão Querido, alçada da tapada

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Presidência Portuguesa da UE – Conselho Informal de Ministros do Desenvolvimento – Funchal, 22 de Setembro 2007

September 22, 2007

 

JORGE SAMPAIO

 

 

ENVIADO ESPECIAL DO SECRETÁRIO-GERAL DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A LUTA CONTRA A TB

 

 Europe and the midway point: the global challenge of achieving the Millennium Development Goals

 

*

 

A Glocal approach: the way to achieve the

 Millennium Development Goals on Health

 

 

 

 

 

Senhores Ministros

Senhor Comissário para a Ajuda Humanitária, Louis Michel

Senhor Director do UN Millennium Project, Senhor Jeffrey Sachs

Excelências

Minhas Senhoras e Senhores

  

 

         Antes de mais, deixem-me que dirija breves, mas calorosas palavras de agradecimento à Presidência Portuguesa da União Europeia, na pessoa do Senhor Secretário de Estado da Cooperação e dos Negócios Estrangeiros, Professor João Cravinho, pelo amável convite para participar nesta interessante iniciativa;

 

 

         Saúdo também a distinta audiência aqui presente, entre a qual reconheço alguns velhos e bons amigos.

 

 

         Ao Professor Jeffrey Sachs, a minha homenagem pela sua visão generosa dos desafios civilizacionais que temos pela frente, mas sobretudo por nos ter ajudado a pensá-los – permitam-me o neologismo – em termos “glocais. Ou seja, aliando a uma indispensável abordagem global dos problemas, que os nossos tempos mundializados não dispensa, uma dimensão local (que pode ser nacional, regional ou comunitária), necessária ao sucesso de qualquer acção sustentável.

 

         A meu ver, só se poderá, de facto, assegurar a realização dos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio (ODMs), se usarmos de um paradigma de tipo glocal.

 

         Aliás, a melhor exemplificação da oportunidade deste paradigma encontro-a na ideia inovadora da criação do Fundo Global para a luta contra a Sida, a Tuberculose e a Malária, que devemos – como estarão certamente lembrados –  precisamente a Jeffrey Sachs e Attaran.

 

  

         Hoje, cinco após a criação do Fundo, é-nos possível traçar um balanço muito positivo do impacto deste novo mecanismo no combate às três maiores pandemias do nosso tempo que, até hoje, já permitiu salvar mais de 1.9 milhões de vidas.

 

         Quero ainda frisar o quão decisivo o contributo da União Europeia e dos seus membros tem sido para o sucesso alcançado, do qual resultou um notável aumento dos recursos disponíveis para o controlo da TB em geral e, em África, em particular.

 

         Importa sublinhar que o sucesso do Fundo Global representa também o sucesso do multilateralismo, porventura de um género novo – aquele que recorre a parcerias público-privado -, o qual é, a meu ver, absolutamente indispensável  à defesa dos bens públicos globais, de que a saúde pública constitui um elemento central.

 

  

Excelências

  

– Quero aproveitar esta oportunidade para partilhar convosco algumas reflexões sobre questões de saúde pública global no contexto da Ajuda Pública ao Desenvolvimento com vista à realização dos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio.

 

– Por isso, vou usar o meu tempo de palavra, centrando-me nos ODMs relativos à saúde – e particularmente ao da Tuberculose. Farei, para tanto, duas considerações e três apelos.


I – Duas considerações

 

 

Primeira consideração – A realização dos ODMs em matéria de saúde exige um compromisso de tipo “glocal”

 

– O que significa isto ?

 

– Significa que só através de uma Parceria Global, reunindo todas as partes interessadas – países em desenvolvimento e doadores, agências, fundações, sector empresarial, ONGs e sociedade civil em geral se poderá realizar a tempo os ODMS  relativos à saúde. A meu ver, a proliferação desordenada de iniciativas, programas e acções não joga a favor da realização atempada dos ODM, não garante eficácia nos resultados, não permite uma gestão adequada dos recursos e tem um custo demasiado elevado. Só recorrendo a uma Parceria Global, dotada de mecanismos próprios, será possível assegurar uma adequada coordenação da Ajuda Internacional nesta área, evitando redundâncias e lacunas, eliminando contradições, incoerências e desperdícios.


 

– Significa também que, para garantir a transformação dos objectivos em resultados, há que os inscrever nas agendas políticas nacionais porque afinal a sua realização é no plano local, ou não é. A meu ver, é indispensável assegurar uma apropriação precoce dos programas de ajuda internacional por parte das autoridades dos países destinatários e velar pelo seu perfeito entrosamento com os Programas nacionais de Saúde.

Especialmente em matéria de saúde pública, em que a componente da diversidade cultural das sociedades e as realidades sócio-económicas das populações são tão díspares, importa que as autoridades nacionais responsáveis pela área, sejam desde a primeira hora associadas à concepção, implementação e avaliação dos programas de cooperação internacional, assumindo uma clara co-responsabilidade pelo seu sucesso.

 

Significa, por último, que são necessários esforços coerentes e continuados, por forma a garantir a sustentabilidade da ajuda. Na realidade, sem uma planificação de longo prazo, sem uma estratégia global e abrangente de controlo das pandemias e de reforço dos sistemas de saúde e sem a garantia de que os recursos disponíveis são suficientes, dificilmente se conseguirão alcançar os ODM a tempo na área da saúde.

 

 

 

– Segunda consideração – Refere-se à Tuberculose – porque é tão importante alcançar o ODM relativo à tuberculose ?

 

 

– Basicamente por três razões:

 

– Por um lado, porque os custos económicos e sociais da TB são inaceitáveis. Cerca de 9 milhões de pessoas adoecem com TB cada ano. Mais de 1.6 milhões morre. Tratando-se de uma doença curável, é insuportável não redobrar de esforços por forma a que se possa reduzir para metade o número de mortes até 2015.

 

– Por outro lado, porque a TB não tem fronteiras e só amplifica o círculo vicioso da pobreza e do subdesenvolvimento. A globalização significa que esta doença está de volta até nos países mais ricos. Mas, na verdade, a TB afecta especialmente as populações mais vulneráveis. Ora, como não temos investido de forma adequada no controlo da TB, estamos também a comprometer os investimentos no desenvolvimento em geral. No fundo, estamos a deixar que, no mundo inteiro, milhares de pessoas sofram para nada.

 

– Em terceiro lugar, por causa das sinergias nocivas entre a TB e o HIV-SIDA.

 

– Como é sabido, mas pouco divulgado, o HIV-SIDA e a TB geram, em conjunto, um sinergia negativa que acelera a sua mútua progressão, a qual tem provocado um explosão de casos de TB em regiões de prevalência elevada de HIV. Esta é a razão pela qual a TB, que é uma doença curável, permanece a principal causa de morte entre as pessoas infectadas com o HIV-Sida uma doença que permanece sem cura.  

 

– É pois indispensável melhorar a coordenação na luta conjunta contra a Sida e a TB. Não esqueçamos que, em 2006, na Sessão Especial das NU sobre a SIDA, os Estados acordaram em trabalhar para a realização do acesso universal à prevenção exaustiva do HIV, tratamento, serviços de apoio e cuidados até 2010, enquanto etapa decisiva para a realização do ODM nº 6.

 

– Mas como a TB continua a ser a principal causa de doença e morte entre as pessoas que vivem com HIV, mesmo dos que estão em tratamento com anti-retrovirais, é óbvio que o conceito de acesso universal tem de incluir também o acesso universal aos diagnósticos de prevenção e tratamento da TB para todas as pessoas que vivem com HIV. Ora, para concretizar este acesso universal, são necessários serviços abrangentes e integrados de TB e HIV.

 

– O que devemos então fazer para inverter a situação, perguntar-se-á.

 

– O caminho é claro: para já, mais investimentos na inovação e mais liderança política.

 

Inovação  Para eliminar a TB e as novas ameaças que dela resultam, precisamos de mais investigação científica e inovação para assegurar o acesso a novos medicamentos, diagnósticos e vacinas que sejam eficazes em todas as situações no terreno.

 

Liderança política –  Perante a emergência de novos desafios como o HIV associado à TB e à TB ultra resistente (a chamada extensively drug resistant TB), precisamos de serviços integrados, sistemas de saúde eficientes e programas eficazes. As doenças resistentes são um artefacto humano,  para as quais são necessários cuidados de alta qualidade, ao mesmo tempo que se avança para o acesso universal. A liderança política nos países em desenvolvimento é indispensável quer para o reforço dos sistemas de saúde quer para dar uma resposta forte de controlo da doença.

 


 

II – Três Apelos

 

 

Passo agora à segunda parte da minha intervenção, com três apelos:

 

 

– Primeiro apelo: o reforço dos sistemas de saúde

 

 

 

Nenhum ODM em matéria de saúde será realizado se não se derem passos significativos no desenvolvimento e reforço dos sistemas de saúde.

A promoção de um Plano Global para reforçar os sistemas de saúde é indispensável para que se consigam realizar os ODM relacionados com a saúde. Isto passa, por exemplo, pela integração dos programas de controlo do HIV e da TB. Exige uma melhoria das infra-estruturas e investimentos em laboratórios. Mas, requer igualmente que se aborde o problema da dramática penúria de profissionais de saúde, com que muitos países em desenvolvimento se defrontam.


Cinquenta e sete países, na sua maioria africanos e asiáticos, enfrentam uma séria crise a nível dos recursos humanos no sector da saúde. A OMS calcula que são necessários mais de 4 milhões de profissionais de saúde para colmatar esse défice. Sem uma intervenção urgente, a situação só pode agravar-se.

A meu ver, é urgente adoptar medidas abrangentes que se repercutam no bem-estar das populações. Por exemplo, deveria considerar-se a possibilidade de adoptar um Código de Boas Práticas na migração de profissionais de saúde, de forma a prevenir a fuga permanente de pessoas qualificadas dos países pobres para os países mais ricos, e a encorajar o regresso de migrantes qualificados aos seus próprios países.

 

 

– Segundo apelo: reforçar a cooperação com África em matéria de saúde pública

 

 

– A situação do continente africano em matéria de saúde pública é tristemente paradigmática.


Basta recordar alguns números. África concentra 63% dos casos mundiais de HIV-SIDA e 72% do total das mortes ocorridas em 2006. Cerca de 90% das mortes causadas pela malária registam-se na África sub-Sahariana. E em relação à Tuberculose (TB), conta com 80% dos casos mundiais, com uma taxa de incidência de 4% ao ano, alimentada pela epidemia da SIDA. Dos 46 Estados da região, 34 apresentam uma taxa de prevalência da TB de 300 casos por 100,000 habitantes (média da EU a 25, 12.6 casos por 100.000). Por tudo isto, a TB foi declarada em 2005 uma emergência regional em África.

Se pensarmos que, com apenas 11 % da população mundial, África conta com 24% do fardo mundial de doença e apenas 3% dos recursos humanos mundiais na área da saúde, facilmente se compreenderá que a saúde pública em África tem de estar no topo da agenda mundial. E se a ajuda internacional ao desenvolvimento não pode por si só resolver todos os problemas de saúde pública nem dispensa uma agenda interna e planos de acção nacionais, sem ela nenhum poderá, no entanto, encontrar solução, quer por se tratar de problemas transversais, quer por a sua dimensão revestir um carácter global.


 

Por isso, enquanto Enviado Especial das NU para a Tuberculose, tomei a liberdade de enviar a todos os Estados membros da EU um Non Paper destinado a alimentar as reflexões sobre a agenda da saúde na perspectiva da próxima Cimeira EU-África. Permito-me hoje, entregar a cada um de vós, uma cópia dessas sugestões…perdoem-me aproveitar, assim à má fila, a vossa presença aqui!

 

 

– Terceiro apelo: aperfeiçoar o sistema de ajuda internacional em matéria de saúde

 

 

– Mais do que um apelo, trata-se de uma interrogação de fundo que gostaria de partilhar convosco. Grosso modo, o sistema internacional do nosso tempo continua a ser aquele que foi pensado para o pós-guerra, em meados do século XIX. Neste panorama, apenas a União Europeia constitui porventura o único elemento novo, promissor de uma nova dinâmica no âmbito da cooperação internacional. 


 

– No entanto, é bem sabido que se avolumam as vozes críticas, a favor de uma reforma do sistema internacional por forma a torná-lo mais adequado aos desafios, ameaças e oportunidade do nosso tempo.

 

– Em matéria de saúde pública, estamos todos conscientes da dimensão global dos problemas e das grandes pandemias que continuam a ameaçar a humanidade – o HIV-SIDA, a Malária e a TB – mas também das novas ameaças, como sejam a gripe aviária H5N1 ou a Tuberculose ultra-resistente.

 

– Por isso, é importante começar a delinear estratégias que permitam alterar a pouco e pouco a abordagem tradicional – sectorial e fragmentada – que se tem feito dos problemas de Saúde Pública Global, por forma a tornar possível respostas mais eficazes e garantir resultados.

 

– Não acredito em transformações súbitas e radicais. Por isso, entendo que vale a pena ir introduzindo pequenas mudanças aos poucos, para a prazo se conseguir fazer a diferença.


 

– Quero, por isso, terminar, partilhando convosco uma sugestão que avancei junto da OMS e que se inscreve neste quadro. Trata-se de organizar no primeiro semestre do próximo ano uma reunião de alto-nível, sentando à mesma mesa as agências competentes das UN, as principais instituições doadoras (de que a União Europeia é a principal componente), fundações e representantes dos Estados mais afectados pelas pandemias da TB e do HIV-SIDA. Com que objectivo ? Justamente para delinear uma estratégia comum com vista a garantir a realização do ODM relativo à TB, sem esquecer a questão da abordagem integrada do HIV-SIDA-TB.

 

– Não será nenhum acto revolucionário, mas poderá porventura contribuir para dar um passo em frente, na direcção certa.

 

– Deixo aqui esta indicação porque quaisquer sugestões ou contributos da vossa parte serão bem-vindos.

  

 

Muito obrigado a todos.