Palavras de Abertura
July 24, 2008Jorge Sampaio
Enviado Especial das Nações Unidas para a Luta contra a Tuberculose
Embaixador de Boa Vontade da CPLP para a Saúde
Palavras de Abertura
Fórum da Sociedade Civil da CPLP sobre Saúde Pública
Lisboa, Centro Cultural de Belém,
24 de Julho de 2008
Excelências
Minhas Senhoras e Senhores
Caros participantes
➢ Quando em Berlim, em Outubro do ano passado, à margem de uma reunião de Ministros da Saúde da região europeia dedicada à Tuberculose, numa daquelas conversas durante o intervalo, em pé, entre dois golos apressados de café e um encontrão, um pequeno grupo de brasileiros e portugueses ali presentes, me fizeram a sugestão de promover um encontro dedicado a questões de saúde entre sociedades civis dos países de língua portuguesa, acolhi tal ideia com grande interesse, mas confesso também com alguma reserva.
➢ Reserva não, porém, quanto ao fundo da proposta, cuja bondade não me suscitou a menor dúvida – bem, pelo contrário, logo me pareceu que vinha pôr o dedo na ferida de uma enorme lacuna. Mas, reserva, sim, quanto à sua viabilidade prática, forma e meios de a operacionalizar e, sobretudo, quanto ao horizonte temporal da sua concretização.
➢ Porque, a verdade, é que temos de reconhecer que as coisas são, quase sempre, tão lentas no espaço da nossa comunidade….temos uma tendência tão generalizada para ficar à espera que os outros façam….
➢ Mas não há fatalismos e, na realidade, podemo-nos congratular porque conseguimos!
➢ Quero assim agradecer a todos quantos tornaram este Fórum possível:
o antes de mais, ao Governo Português, anfitrião da Cimeira, que endossou a iniciativa, mas também aos Governos dos restantes países membros; deixem-me que, neste particular dirija palavras de especial apreço ao Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação de Portugal, Professor João Cravinho, pela sua disponibilidade, empenho e apoio prestado;
o aos patrocinadores do evento que, graças à sua generosidade, tornaram possível a presença aqui de um leque significativo de participantes oriundos de toda a Comunidade;
o a todas as organizações internacionais e da sociedade civil (activistas, empresas, fundações) que, de uma forma ou de outra, nos prestaram assistência e colaboração;
o por último, permitam-me ainda que agradeça, de forma muito particular, a um núcleo duro de pessoas, que não vou citar para não incorrer em injustiças, que, com o seu conhecimento do terreno e saber fazer, não pouparam esforços para fazer deste Fórum um sucesso.
Meus amigos
➢ Sei, pelas diversas funções anteriormente desempenhadas, que a chamada “sociedade civil”, não só é uma entidade ambígua, fragmentada e o mais das vezes desarticulada, como é também, quase sempre, um interlocutor equívoco do ponto de vista de quem exerce a governação, seja ela regional, nacional ou internacional.
➢ Digamos que há uma crescente tensão e –às vezes, confusão – acerca do papel da sociedade civil.
➢ Por um lado, reconhece-se que a nova repartição de poderes e de recursos resultante basicamente da globalização e da crescente transversalização e internacionalização dos problemas, desafios e oportunidades de toda a ordem, torna desejável – e mesmo indispensável – que, cada vez mais, os actores não estatais sejam chamados a participar e a contribuir para o exercício da governação dos bens públicos.
➢ Por outro lado, nem sempre estão criadas as condições necessárias para assegurar o adequado envolvimento da sociedade civil na governação, não só do ponto de vista da sua capacitação, transparência, representação e responsabilização, mas também no da garantia da sua independência e autonomia, para além da questão da necessária coordenação de todos os parceiros.
➢ Ora, parece-me que, embora compita ao Estado e aos Governos a boa governação dos bens públicos – e refiro-me, afinal, à garantia dos direitos humanos fundamentais para todos, ou seja ao direito universal a uma vida digna, o que implica nomeadamente paz, segurança, justiça, educação, saúde -, é hoje óbvio, também, que só com a estreita colaboração de todos os actores da sociedade civil – e, aliás, o indispensável concurso da comunidade internacional – podem estes direitos ser realizados.
➢ No caso da saúde pública, que nos traz e reúne aqui hoje, isto é por de mais evidente: neste campo as carências são gigantescas, as fragilidades múltiplas e os desafios incomensuráveis. E deixem-me que sublinhe também um outro ponto, absolutamente chocante, o da extrema disparidade de situação da sáude pública no espaço da nossa Comunidade.
➢ Como podemos ficar indiferentes e de braços cruzados quando olhamos para alguns dos indicadores da saúde relativos à nossa Comunidade ?
➢ Por exemplo:
o Prevalência HIV (em % da população entre os 15 e os 49 anos – dados de 2005): varia entre os 0,4 e os 16,1;
o Prevalência da tuberculose: por 100.000 (2006), varia entre os 55 e os 789, com 24 para Portugal.
o Casos de Malária – Cerca de dois milhões de pessoas (informação de 3 países não disponível)
o A esperança média de vida à nascença (total – 2005) oscila entre 41,4 anos e os 70,7 (Portugal 78)
o Gastos de saúde totais per capita (USD – 2004) varia entre os 8.7 US Dólares e os 289.5 US Dólares (Portugal – 1665 US Dólares
➢ Estas disparidades abissais deveriam provocar em nós uma espécie de sobressalto civilizacional pois uma Comunidade coesa e solidária, de que nos reclamamos, não é compatível com a prevalência de tamanhas desigualdades.
➢ Mas não me quero alongar e, por isso, termino com duas rápidas observações conclusivas.
➢ Primeiro – os Países de Língua Portuguesa, como comunidade de destino, podem fazer muito mais em conjunto no plano da saúde pública, quanto mais não seja, porque a língua comum que partilham lhes abre um campo de cooperação com um enorme potencial muito pouco explorado ainda; se a língua nos une, então devemos valorizá-la como factor de solidariedade, vector de coesão e propulsor da cooperação. Mas, os Países de Língua Portuguesa podem também fazer muito mais nesta área porque, no plano internacional, dispõem de uma presença forte que lhe permitiria falar a uma só voz junto das instâncias multilaterais de cooperação – a meu ver, importa fazer valer esta dimensão, importa apostar mais na internacionalziação da CPLP nos domínios da ajuda ao desenvolvimento, da captação de recursos e da assistência técnica concreta.
➢ Segundo – cabe à sociedade civil organizar-se, assumir as suas responsabilidades e exercer o seu poder de influência para que o direito elementar à saúde seja respeitado e realizado universalmente.
➢ Por isso, este Fórum pode, a meu ver, constituir um marco na capacitação da sociedade civil no âmbito da CPLP. Mas isso dependerá sobretudo de vós, da vossa capacidade em formar consensos, de articulação e de coordenação.
➢ Por mim, acredito que a rede da sociedade civil da CPLP para a saúde vai ser hoje lançada aqui e que assistiremos no futuro ao seu desenvolvimento e consolidação.
➢ É , pelo menos, o voto que formulo e o objectivo prosseguido pelos trabalhos desta jornada.
➢ Muito obrigado a todos e bom trabalho.
Publicado em intervenção, jorgesampaio, português